quarta-feira, 23 de junho de 2010

Dos tempos 9.




Sabe o que mais me angustia? É que com o passar dos anos, a visão fica pouca. Os ossos enrijecem. Meu humor que fica cada vez mais sarcástico. E minha tolerância que sempre prezei esta por um fio. Não ligo para os cabelos brancos, para pele enrugada, para barba por fazer. Maria também não liga. Ela até agradece por eu ser limpinho e tomar dois, as vezes, três banhos por dia. Ela às vezes até reclama, diz que não é bom para pele. Mas criei uma estratégia para pele, ah, para os músculos também. Passo mais de uma hora no banheiro. Me exercitando, fazendo ginástica. É uma terapia, cantarolo canções de antigos carnavais, as marchinhas. Até invento e mudo a prosa. Faço minha própria festa. Ainda bem que a casa tem mais de um banheiro. E agora eu tenho o meu banheiro. A prioridade é do velhinho aqui. Deixo outras pessoas usarem, mas ninguém pode reclamar da minha demora. Eu gosto de banho frio, mas de noite, só tomo banho quente. Com todas as portas e janelas fechadas para não pegar frieza. Um velho costume, desses que a mãe da gente aprende com a avó da gente e por aí vai. A gente pega. Eu inculco com isso. Como a gente se agarra a certas coisas...

Em moço não me lembro de ter tanta mania, agora parece que faço coleção. Que eu me lembre começou aos cinqüenta. Ou eu comecei a observar a partir dos cinqüenta. Agora nem sei mais. Só sei que começou com pequenas coisas como: o lugar da mesa da cozinha, o carro que passei a lavar nos sábados pela manhã, o sapato que não pode juntar poeira, as mãos que sempre lavo antes das refeições e outras. Tem coisas que são tiques, loucuras, coisa de gente sem o que fazer. Outras são importantes...como lavar as mãos. Outras são bobagens, superstições. Engraçado é que quando meus pais eram vivos eu não dava importância para os costumes. Odiava ter que pedir a “benção” aos mais velhos, mas a contra gosto pedia. Era uma questão de respeito. Nem no meu tempo de rebelde subverti a regra.

Agora me apego fácil a coisa boba. Não ligo para “benção” não ensinei meus filhos esse hábito, por mais que Maria fizesse questão. Não ligo mesmo, que eu me lembre a Bia nunca me pediu a benção. Mas ligo para o barulho que a cortina de miçangas da varanda faz. Já falei com Maria “isso atrapalha meu cochilo vespertino”, mas porque ela gosta, dá de ouvidos. Ligo também para os meus chinelos, tem alguém que insiste em tirar do local de costume. Ligo se eu ver alguém assistindo TV muito próximo da tela, pois faz mal para as vistas. Por isso, volta e maia estou ouvindo me chamarem de rabugento. Algo que também não entendo. São coisas minhas ora! Uma hora perco deveras a paciência, a papa da língua. Paro de ser o símbolo de sensatez dessa família. Quem sabe assim Maria dar fim na tal da cortina de miçangas. (risos).


Por João Jorge.

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