domingo, 30 de maio de 2010

Dos tempos 5.



Joana, e não Juana. É sempre assim, em todos os lugares que tenho que me apresentar. Por cansaço acabo deixando para lá. Tudo bem, pode me chamar de Ju, Jô, é apenas um detalhe. Um detalhe, de quantos detalhes a vida é feita? Quantas coisas podemos deixar passar? Tem coisas que não podem ser mais postergadas. Como? Ah, contar para família que é diferente do convencional. Um processo, um sofrido processo. Mais como sou ansiosa e prematura não esperei por muito tempo. Para quê adiar mais, algo que eu descobrir tão cedo. Por que me negar e esconder. A demora foi só encontrar alguém igual a mim, como na música de Pato Fu “eu queria tanto encontrar uma pessoa como eu em quem eu pudesse confiar e contar alguma coisa sobre mim!”. É foi assim, nos encontramos e eu contei tudo sobre mim. Um tudo que era estranho e que eu morria de medo. Eu tremia só de pensar que alguém podia ler meus pensamento e seguir o meu olhar. Em relação aos pensamentos era pura “teoria da conspiração”, “paranóia” mesmo. Mas, o olhar, me denunciava. Às vezes eu sentia que estava escrito em minha testa, que todos desconfiavam e sabiam, que alguns tinham até certeza. Como uma marca, e era, e é. É o estigma que nos imputam e nos é da pior forma possível internalizado. Uma marca, que não é como dizem “uma escolha”, “uma opção”. É algo que está além do biológico e também do socialmente construído. Quando se procura uma explicação, simplesmente não se acha por aí. Só sei que não é como uma “tatuagem” que simplesmente queremos na nossa pele, por gostarmos da arte ou por puro modismo. Não é algo passageiro. E nem sei se com palavras é dimensionado. Algo que digo é que estar dentre as coisas acima do “bem” e do “mal”. A última coisa que pode ser e ter é o jogo dos contrastes, por mais que sejamos condicionados a bailar cegamente por linhas tênues e frágeis. Sim, é totalmente subjetivo. É no campo dos sentimentos que tudo se torna sensato. Sim, “sentimento” e “sensatez” se harmonizam. Cessa-se a guerra interior. Por um momento é claro, nós sentimos o bem de estar em paz. Paz consigo e com o mundo. Graças ao “grito”, um grito inicialmente sutil, quase mudo, rouco e certamente regado de lágrimas. O quão difícil é se enxergar para além do que se imagina e espera que você seja. Bem além das expectativas: casar, ter filhos, não contrariar os valores da família nuclear cristã. Ser banalmente “normal”. Sim teimo em usar o termo “normal”, pois me refiro aos expectadores, não a mim. Normal para quem? Normal quando? Não trilhar os trilhos convencionais é “loucura!”. Sim, mas apenas nas mentes mais perversas e doentias. Sim, se não existissem “sentimentos”. Sim, si não fosse mais do que mera “mudança de valores”. Adoro a expressão “desde que o mundo é mundo” para contrariar os “novos e velhos valores”. Tudo não passa de reinvenção, sinto informar, mas “não descobrimos a roda”, vai ver que a “roda” já existia, só não era chamada de “roda”, só não a utilizavam para locomoção e etc. e tal. O que estou dizendo é que os “detalhes” quando “acortinados” se acumulam e viram “chagas fatais”. Feridas no seio da humanidade. Das famílias, das sociedades, das culturas. A insistência em “tapar o sol com a peneira” pode acarretar na morte, vista como fim último e mais temido. Morte dos subjugados, dos ‘diferentes’, dos ‘anormais’. O ato mais desumano, consciente ou inconsciente cometido contra “o outro” também humano. Os diferentes são remetidos a condição de “seres vagantes”, indefinidos, párias, dissidentes. Fora assim com os negros africanos, com os índios, com os judeus, com as mulheres, com os homossexuais, com os pobres...com toda sorte de “diferentes”. A questão é o quanto são “diferentes”, será que a “diferença” não fora para atender os propósitos de uma “gente” que se sentia, por ora, mais “gente” do que as “gentes” citadas? Eurocentrismos, homofobismos, xenofobismos, racismos, machismos, cristianismos...categorias a serviço dos interesses (de?), às custas das vidas (de?). E o pior é vê-las verborragiadas e internalizadas nos atos discriminatórios de cada um. E o olhar, ah, esse não dá para disfarçar, nem neste sentido.


Por isso, resolvi não menosprezar os “detalhes e olhares”. Já sabia que seria mais fácil com o papai, meu velho João sempre foi moço para entender e confortar. Sempre meu cúmplice, sempre o meu melhor amigo. Já a mamãe uma “carrasca em figura de gente”, mas eu sempre soube o porquê da vigilância e do medo. Tive que descobrir os motivos das cobranças e implicações, nossa relação nunca foi das melhores. Primeiro foi à briga para que eu me tornasse igualmente uma “rata de igreja”, depois os estudos “nada de nota baixa” (como se nota fosse importante), depois em relação a namoro “nada de namorar antes de passar no vestibular, namoro desvia a atenção” (pura ironia). Era uma proibição atrás da outra. Geralmente eu obedecia, mas depois, não vi mais sentido em tudo aquilo. Parecia uma vida que não era minha. Sem prazer, só obrigação. Aí entra o meu herói para me tirar dos castigos quado comecei a ir de encontro a tanta regra. Meu pai nunca bateu em mim, ou no Marcinho. Não é que ele passava a mão pela cabeça, ele conversava e conversava sério, olho no olho. Ele nunca desautorizava a mamãe, mesmo ela estando absurdamente equivocada. Até nisso eles eram parceiros, na criação. Mesmo mamãe me considerando “um caso perdido”, gostei do resultado final, somos bem criados. Tão, tão bem criada, que destoei em quase todos os ensinamentos da mamãe. Lembro das “n” tentativas de me ensinar a cozinhar e até hoje não sei fritar um ovo. Isso é o de menos. Sua maior “decepção” é que a fiz “pagar a língua”. Tudo que ela não queria, era ver seu telhado estilhaçado, mas quando se remetia aos telhados dos vizinhos, não era nada generosa. A coitada pagou. Juro que não foi de propósito. Sempre combati suas fofocas, logo após as missas dominicais (um pecado, nada sentido), sempre que sua língua ou olhar fuzilava a vida alheia: “Olha a filha de Paulo engravidou, sem concluir os estudos. Sabe quem é o pai, é o maconheiro do sobrinho da Geralda. Você não sabe João (meu pai nunca dava ouvidos), a neta da Hermínia agora deu para lésbica. Essa juventude esta perdida. E a culpa também é dos pais que não orientam. Tudo virando o que não presta. Não querem mais nada! Nada...”. Isso era todo o dia, ás vezes meus tímpanos doíam de ouvir tanta barbaridade. Eu a alertava, “sabe mãe que uma hora eu também ‘viro’ drogada, puta, sapatão. Aí quero ver o que senhora vai falar. Respeita a vida de cada um e viva a sua, sem julgar os outros”. Não adiantava, ela esbravejava comigo, ficava sem falar, ameaçava, fechava a cara. Depois voltava com uma nova fofoca. Ela só não queria se ver igualmente julgada. Uma pena, logo, logo, a brincadeira tomou fundos de verdade. E foi um Deus nos acudas, e o meu herói mais uma vez, me salvou. Não é que a mamãe seja uma “bruxa”, é que ela não sabe lidar com os próprios preconceitos. Ao longo de sua vida, ninguém a ensinou a desconstruí-los (nem a convivência com o papai). Ela foi reprimida e não teve outra saída, não conheceu outras formas de vida, não se permitiu, simplesmente hesitou e rotulou de “pecado”. Amar só era possível se fosse alguém do sexo diferente e depois de casada. Caso contrário era “pederastia”, “prostituição”, “promiscuidade”. Nunca felicidade. Depois da tempestade (que foi bastante reincidente). Só quis uma resposta: “Você deixou de me amar?”.



Por Joana.

sexta-feira, 7 de maio de 2010

Dos tempos 4.


Ai, to as voltas com o vestibular, já pensei em fazer mil coisas. Das mil, eu estou indecisa entre umas três, quatro. Bem, pensei em algo do mundo da indústria cultural inicialmente. Não sei, artes cênicas, ou cinema. Pensei em moda também, sou estilosa e criativa, gosto de inventar e fugir do padrão, não gosto muito de me encaixar em uma ‘tribo’, as vezes, inspiro meu look em um pouco de tudo, misturo moda retrô com tendências futuristas que lembram os mangas japoneses. Por papai eu faria direito, mas deixei bem claro que estou ‘foraaa’! Não quero ser uma humanista feito ele, mergulhado nas questões humanas e tão distante das pessoas ao seu redor. E olha que ele se especializou em direitos humanos! Mas às vezes acho que ele não é nada humano, comigo então, só brigamos, só me vem com seu ar superior, demarcador de terreno, dizendo em alto e bom tom “o pai aqui sou eu!”. Eu pirraço, retruco, digo “ah é, não me diga, não parece, mas estou cansada de saber!”. Ele fica puto, ele me deixa puta também. Aff, oh relação chata essa de pais e filhos, ele vive berrando “vê se cresce e aparece!” Não sei por que fala isso, eu to crescendo oras! E em breve, ganharei o mundo e as “paradas de sucesso!”. Ele não dá a mínima força para meus ‘devaneios’, que para mim estão mais para “sonhos”. Disse que era para eu ter cuidado com a escolha do vestibular, pensar direito porque têm decisões que tomamos agora que podem influenciar nossa vida inteira. Ele fala isso porque é careta e às vezes o acho frustrado! Ele disse que fez a escolha profissional certa e que ama o que faz e ainda de quebra ganha dinheiro com isso. Mas não sei não! Algo eu tenho que reconhecer, que é a sua preocupação, ele não me impõe ‘direito’ por causa do dinheiro em primeiro lugar, ele se preocupa comigo e tem medo de me faltar, assim como minha mãe. Então, me sugere com aquela sutileza que lhe é peculiar para que eu escolha uma profissão reconhecida no mercado de trabalho, que dê para eu me virar depois da primeira formação. Em partes entendo, mas não me conformo! Qual é, como os padrões sociais vão mudar se a gente não se jogar e se propor a fazer diferente? Ou seja, escolher uma profissão que não seja clichê e que principalmente eu não tenha que ter patrão e ter que andar ‘arrumadinha’ vinte quatro horas. Ah, dane-se, mas vô apostar na liberdade, a liberdade é a porta da felicidade e da realização dos meus sonhos. Decidir, decidir, eu ainda não decidir, mas o vô João me tranqüilizou bastante, ele me contou que no seu tempo não tinha vestibular que seu cargo foi indicação política, mas mesmo assim ele se interessou pelo estudo bem depois quando já tinha vestibular. Ele disse que fez a prova pensando que estava prestando vestibular para música (quase tive um ataque de risos nessa hora, eu não esperava isso do vovô), só se deu conta que se submeteu ao exame para administração quando viu seu nome na lista dos aprovados. Eu perguntei como assim vovô agora explica. Ele disse “meu amor não tem muito que explicar minha escolha não foi por amor, eu não tinha muita opção pois já tinha família para sustentar, e já trabalhava sem especialização na área administrativa. Então surgiu a oportunidade e eu agarrei para minha sorte e estabilidade futura. Não me arrependo foi necessário e, a música, a, ela só foi um estímulo que resgatei dos meus tempos de moço (muitos risos)”. Meu avô é um sábio, depois dele quem mais me identifico na família é a tia “Jôjana”, que era como eu a chamava na infância. Ela sim aprendeu com meu avô, já meu pai parece que foi criado debaixo da saia de minha avó, pois nunca vi tão retrogrado! Aff, e eu é que tenho que agüentar, paciência, paciência!!!


Por Bia.


terça-feira, 4 de maio de 2010

Dos tempos 3.





Quando terminamos nem deu tempo para sofrer. Eu disse, “foi rápido e intenso”. Era natural que ele partisse de súbito como entrou na minha vida. Falando assim pareço resignada com o fim. Mas é que desde o início por mais surpreendente que tenha sido ele me apareceu como um ser livre “lindo, alto, sorridente” e livre. De certa forma nosso amor foi livre, foi impressionante minha capacidade de superar, de não me apegar por muito tempo, de não ficar remoendo o fim. Eu fiz questão de guardar as coisas boas, cada momento, cada segundo, cada milésimo de tempo ao seu lado. O tempo naquele mês não existiu para nós, simplesmente passou sem nos darmos conta. O que era noite, o que era dia, não sabíamos. Mas preferíamos o friozinho da noite, a companhia da lua e das estrelas, o barulho das ondas naquela praia deserta e todo mistério e sabor que só a noite tem. Sabe, não é só a tatuagem que tenho aqui gravada no braço direito que não me deixa esquecê-lo. Volta e maia me pergunto “será que ainda o amo?”, mas já se passou tantos anos. Eu lembro dele e meu peito se enche de alegria, não sei como mas vejo os meus olhos brilharem. Eu usava a lembrança para me divertir com os “bobinhos” porque quem despertava o meu sorriso fatal era ele, só ele. Bem foi assim por um tempo. Não me envergonho, porém confesso a perversão. Repito, não houve tempo para sofrer quando terminamos. Mas sou humana e J.J. era, por tudo, um homem bem diferente para o tempo. Ele não foi machista e criou mil e uma situações para provocar o término. Se bem que a Ritinha era bem assanhada pro lado dele, mas ele não dava à mínima. Sempre me dizia “Duda hoje você me basta, me completa e me faz feliz”. E eu é claro, ia nas nuvens. J.J. não era nem um pouco machista se comparado com os outros rapazes e as poucas vezes que era reconhecia. Era engraçado, ele odiava atitudes machistas e quando sua auto-vigilância falhava ele começava a xingar a igreja, os valores cristãos, a instituição família. Em relação a isso era um pouco contraditório, ou era eu que não entendia porque tanta fúria. Mais tarde entendi que minha falta de compreensão era o que Marx chamou de “alienação”, mas deixa pra lá, eu respeito e prego certos valores dos tempos da minha mãe ainda hoje. Então hipocrisia a parte.


J.J. não foi covarde, pelo contrário ele foi sincero e honesto comigo e com seus sentimentos. Ele disse “broto, conhecer você foi uma das melhores coisas que já me aconteceu. Nós nos achamos e isso foi especial. Foi rápido eu sei, mas eu sentir que rolou um sentimento não sei se foi amor, mas sei que foi e é verdadeiro. Eu nunca vou te esquecer ‘para sempre’”. Ele não precisou dizer adeus, no fundo sabíamos que era impossível partir de todo. Eu deixei ele falar, a ‘ficha’ demorou para cair. Eu só ouvia, sem mexer um músculo do rosto, quanto mais derramar uma sequer lágrima. Depois revendo a cena perguntei-me como conseguir ser tão fria. Muitos anos passaram e ainda não obtive resposta. Do pouco que ouvi do que ele ainda tinha a dizer, lembro algo como “vou viajar para Guiana Francesa, tenho um tio que mora lá, passarei um tempo pra ver qual é!”. Depois, bem depois, constatei a informação de fato. Finalmente J.J. parou de falar, ficou na minha frente esperando um abraço, quando viu que não tive reação me deu um beijo na face e desapareceu. Depois disso acho que o vi umas três ou quatro vezes não me recordo bem.


Ele sumiu e por horas continuei perplexa, petrificada sentada no banco da Praça 7 de Setembro. Caiu a noite, sentir a umidade do sereno batendo em mim e continuava ali. Sem lágrimas, só um turbilhão de pensamentos. Do jeito que era com o João, sem regras, sem limites, não dava margens para expectativas e até mesmo ‘duração’. Ainda assim, naquele momento, em imediato, eu não esperava. Talvez tivesse imaginado um fim, vários fins. Mas não naquele dia, naquela hora e naquele lugar. Pensei que já era madura o suficiente, mas só naquele instante me dei conta que não. Não existia maturidade para o amor, para amar. Mesmo quando se cuida e não quer sofrer e ver o outro sofrer. Ainda assim, me decepcionei por alimentar esperanças. A esperança da felicidade duradoura, quase plena. Naquela época amar e ser amada era tudo, as demais coisas da vida eram deixadas para segundo plano, pelo menos para nós. Com ele eu aprendi a ser “nós”, vai ver que foi por isso que foi tão difícil voltar a ser “eu”, mesmo um “eu e me” (o que não garante o ‘nós’). Eu me senti um casulo ao longo do mês que passamos juntos, sofrendo mil e uma metamorfoses até atingir o estágio inicial da borboleta que sou hoje. O termino fez parte disso. Me senti dialética agora. O fim foi a negação, a antítese antes da síntese borboletiana. E é sabido que as borboletas vão mais longe, vivem se adaptando ao meio ambiente para preservar a existência. Em relação a isso me tornei uma “borboleta as avessas”, uma borboleta inconformada com o meio que luta pela transformação deste. Então não me basta ser só borboleta e foi ali que me dei conta. O João se foi e eu também poderia ir, e se o amava ainda assim poderia me permitir novos amores, novos horizontes. Sem lágrimas (não muitas!), sem sofrimento (só o suficiente para se perceber na situação e me libertar). Afinal foi com ele que aprendi a “correr menos e a rir mais”! Sem espaço (ou minimizando) para dor e buscando mais e mais o meu bem viver.



Por Duda Duarte.

Dos tempos 2.


A cada dia que passa nossa relação fica mais difícil. Bia tinha cinco anos quando Laura faleceu e a partir dali era só eu para cuidar, me preocupar e ensinar tudo mais. Tínhamos o mundo pela frente, só eu e ela. Eu me sentir tão amedrontado, tão desprotegido com esta situação. Ela só tinha a mim e eu só tinha a ela. De certa forma estávamos sós, sem chão, sem nosso Porto Seguro. Mas foi esta situação que inexplicavelmente vem me dando forças até agora. Me deu mais força naquela época. Eu estava atordoado, nada fazia muito sentido. Mas eu não podia ser egoísta, não naquela hora. Aprendi muito com Laura, a vida a dois é uma sensação de pertencimento faz com que nos desprenda de nós mesmos. E naquele momento eu tive que ser acima de tudo um pai. Um pai que a partir dali seria pai e mãe. Nos anos da infância foi mais fácil que agora. Mal nos falamos e quando nos falamos é para brigar. Não posso abrir a boca que ela já me vem com ‘quatro pedras nas mãos’! Me pergunto onde está aquela menina doce, o que esta acontecendo, o que foi que eu fiz? Será que sou tão mau pai assim? Sei que sou rígido, sei que ‘nego’ mais do que permito, sei que ajo assim por medo. Eu tenho medo que ela se machuque, que alguém a faça sofrer. Eu tenho medo das más influências, eu tenho medo que ela se deslumbre e se deixe levar. Por isso “proíbo”, proíbo quase tudo. Sei o quanto isso é insensato, sei que é um pouco por isso que estamos tão distantes agora. As vezes me falta fôlego, palavra, ação. Na última discussão ela jogou na minha cara “do que você tem medo, não quer que eu seja como você? Não confia na criação que me deu?”. Não tive reação, ela me desarmou, essas perguntas foram um choque! Ela esta coberta de razão, a criei bem, ela não é uma ‘Maria vai comas outras’, lhe ensinei valores e princípios e o tempo e todos a sua volta (nossa família) ajudou a formar o seu caráter. A admiro por ser exatamente o oposto de mim. Ela não é nem um pouco acomodada e covarde. Já eu me conformo com pouco, com o que convém. Ainda bem que puxou à Laura, com todo seu ímpeto. Ela é mais emoção, já eu sou razão. Ela não tem medo de arriscar para perder ou para ganhar. Já eu evito até jogar na loteria, para não me pegar sonhando em o que faria se ganhasse o prêmio. Nossas diferenças nas brigas ficam tão evidentes. O ruim é que reconheço sua razão, mas não ‘arredo o pé’ da minha. Eu não recuo. E sei que isso não é bom. Temo perder o controle, mas esse meu ar autoritário não me leva a nada. Tento achar uma maneira de reconquistá-la, de trazê-la para perto de mim, mas nada vejo, e me angustio. Ela também é fogo, vive aprontando, e em relação a isso, não posso fazer vista grossa – depois o ‘espinho cresce e me fura’, e aí!? Tô perdido, sinceramente não sei o que fazer. Espero que ela cresça logo, que saía dessa obscuridade que é a adolescência e que reconheça todo esforço que faço para criá-la. Que nós voltemos a ser amigos, só amigos, sem heroísmo. Ela também jogou na minha cara que não sou mais o seu herói. Posso ouvir a sua voz estridente ecoando nos meus tímpanos “acorda pai estamos no mundo real não existe contos de fadas e eu estou longe de ser sua princesinha!”. Ah, doeu ouvir isso! Eu a chamava de “princesinha” quando era criança. Tá aí a resposta – Os filhos crescem e os pais (pelo menos eu não sou exceção) não acompanham o ritmo, ‘era criança’ e esta se tornando ‘uma mulher’. E agora quem tem que aprender sou eu, Bia me ensina, papai também. Mas confesso em relação a isso nunca tirarei nota 10!

Por Marcio.