sexta-feira, 30 de julho de 2010

As imagens, Eu, Ela e Claude Monet.

Engraçado. Prefiro ver a imagem que vem da TV pelo reflexo da porta de vidro da sala. Não é uma imagem tão nítida quanto à imagem da TV. Engraçado. Imagem nítida? Desde quando. Sei lá. Mas eu estou de óculos. Engraçado. A imagem da porta de vidro me parecia sem óculos. Engraçado. E repetitivo também. Garanto que pensou nos quadros de Claude Monet (1840-1926), nos Jardins de Monet. Consigo vê-la descrevendo os “pontinhos” das telas de Monet. E jurando, mesmo antes de saber, que ele tinha problemas de visão. Cansei de ouvi-la dizer: “ele é míope!”. Eu sei. Engraçado. Você não tinha certeza disso, mas dizia. E quando finalmente confirmou, eu estava do seu lado vendo você vibrar e dizer: “Eu tinha certeza!”. Eu te admiro tanto por isso. Sua intuição às vezes me espanta. Como foi mesmo que você ficou sabendo de Monet? Lembrei. Sempre gostou de imagens. Foi folhear despretensiosamente um livro de gravuras. Logo de quem? De Monet. É, mas naquele tempo. Porque isso já faz muito tempo. Você ainda não usava óculos.

Nem sonhava que um dia usaria. Mesmo com sua mãe, tia, primas e avó já a usar tal indumentária. Então, como descobriu que ele, assim como você agora, não enxergava tão bem assim? A é verdade. Você me disse isso também. Quando começou a perceber. Só foi quando se viu sem óculos. Ou melhor, me desculpe, você ainda não usava óculos quando descobriu. É que você simplesmente passou a ver as paisagens, os jardins, as flores, as lagoas, os barquinhos, toda gente, a movimentação e as variações dos tons das luzes e até as sombras do mesmo jeito que anos atrás viu nos quadros de Monet.

Garota esperta. Sempre vendo além. Sempre achando as respostas, antes mesmo de fazerem as perguntas. Sempre a me surpreender. E depois disso. Desse achado, sobre a pouca visão do artista, você nunca mais me deixou em paz. Ainda bem. Ainda bem que sempre dei asas a sua imaginação. E não é que acertou em cheio. Me encheu tanto, mais tanto. Que fiquei morto, é melhor, vivo de curiosidade. Quem é esse tal de Monet de quem ela me fala tanto. E seus quadros são mesmo encantadores como ela diz ser. Será que vou ver os tais “pontinhos”?


  

Eu tive medo de me decepcionar. E por um tempo, fiquei só a imaginar, a ver só a beleza que ela me dizia que via. Ela chegou a me encorajar.

Ela me deu um Monet de presente de natal. Não, não foi uma tela. Hoje as telas de Monet são caríssimas. Foi um cartãozinho, lindo, só com a imagem. Foi aquele quadro de nome “o Sol se Levanta”. Antes de me entregá-lo ela observou: “esse foi o primeiro, que inaugurou a sua primeira exposição e a corrente impressionista!”.

  
Eu pensei, deve ser mesmo especial esse Monet, ela parece saber tudo dele, seus olhinhos de esmeralda, transbordam de emoção. Mas ainda assim, com um gesto tão lindo, eu não tive coragem de olhar para a gravura do cartão. Eu disfarcei, e assim que ela se afastou, o guardei no jaleco. E por anos o deixei lá esquecido. E também não quis saber do que se tratava o “impressionismo”.


Hoje eu sei do que se trata.


Sei também da história de Monet, sua vida e obra. Sei também porque ela gosta tanto dos quadros de Monet. E eu não uso óculos. E o medo passou. E eu vi os “pontinhos”. E agora, eu riu de mim.



Rimos juntos, eu, ela e Monet. Da minha relutância. Engraçado.



                        Por toda minha paixão por Monet.

segunda-feira, 12 de julho de 2010

Dos tempos 10.




Desde aquele dia que uma canção não sai da minha cabeça. É, aquele dia em que acordei na beira da praia...com areia na calcinha! Eu cantarolo a canção e me pego rindo. Volta e maia rindo atoa. Agora com certo distanciamento pergunto o que me deu? Como conseguir tal proeza? Sabemos que não era eu, era Alexandra! Alexandra, aquela mulher qualquer que me possuiu, roubou-me de mim. Eu podia ter morrido afogada, meu corpo, mas não minha mente, questiono até se minha alma? Mulherzinha qualquer, biscateira, puta, embriagada, fumada uma desgraça!

Mas eu rio sem freios quando lembro “...se acaso me quiseres eu sou dessas mulheres que só dizem sim...”. Sim. Súbitos sins. O risco mais gostoso de toda a vida até ali.

Depois voltei, da mesma forma que cheguei lá. Agora peguei um ônibus que eu sabia que me deixaria na rua de casa. Era umas onze horas da manhã. Ninguém me viu chegar, pois todos já estavam na rotina diária. Ainda tonta e tentando entender me joguei em baixo do chuveiro, o mesmo banho quente que aquece meu sangue frio. Vi marcas no meu corpo, umas mordidas, umas chupadas com tom azul arroxeado. Uma seqüência de fleches, imagens deslocadas, um turbilhão de pensamentos. Eu abria e fechavas os olhos e minha cabeça latejava mais e mais. A espuma estava marrom, um lodo e muita areia escorriam até o ralo. Aos poucos a inhaca fedida cedia lugar para o cheiro agradável do shampoo.

Eu não estava arrependida, mas me empenhei em esquecer. Fui até o quarto da minha mãe e peguei um de seus soníferos. Tomei e acordei às cinco horas do dia seguinte com o barulho do despertador. Algo que me fez sentir novamente a Madalena que sempre fui. Presa ao relógio, condicionada à suas horas. Senti meu peito apertar, mas em seguida veio o alívio. O confortável alívio de não ter me acontecido nada pior.

Pensei em contar para Bia, sempre dividimos angústias. Mas me contive. Ela sempre esteve a mil passos de mim, com seu espírito de aventureira inveterada. Mas, hesitei. Fiz um pacto de silêncio comigo mesma. Para manter o mistério e preservar a identidade de Alexandra. Ela me deu prazer. Então guardarei segredo para não quebrar o clima de perigo e não deixar escapar o gosto da adrenalina que saboreei naquela noite.



Por Madalena.