terça-feira, 4 de maio de 2010

Dos tempos 3.





Quando terminamos nem deu tempo para sofrer. Eu disse, “foi rápido e intenso”. Era natural que ele partisse de súbito como entrou na minha vida. Falando assim pareço resignada com o fim. Mas é que desde o início por mais surpreendente que tenha sido ele me apareceu como um ser livre “lindo, alto, sorridente” e livre. De certa forma nosso amor foi livre, foi impressionante minha capacidade de superar, de não me apegar por muito tempo, de não ficar remoendo o fim. Eu fiz questão de guardar as coisas boas, cada momento, cada segundo, cada milésimo de tempo ao seu lado. O tempo naquele mês não existiu para nós, simplesmente passou sem nos darmos conta. O que era noite, o que era dia, não sabíamos. Mas preferíamos o friozinho da noite, a companhia da lua e das estrelas, o barulho das ondas naquela praia deserta e todo mistério e sabor que só a noite tem. Sabe, não é só a tatuagem que tenho aqui gravada no braço direito que não me deixa esquecê-lo. Volta e maia me pergunto “será que ainda o amo?”, mas já se passou tantos anos. Eu lembro dele e meu peito se enche de alegria, não sei como mas vejo os meus olhos brilharem. Eu usava a lembrança para me divertir com os “bobinhos” porque quem despertava o meu sorriso fatal era ele, só ele. Bem foi assim por um tempo. Não me envergonho, porém confesso a perversão. Repito, não houve tempo para sofrer quando terminamos. Mas sou humana e J.J. era, por tudo, um homem bem diferente para o tempo. Ele não foi machista e criou mil e uma situações para provocar o término. Se bem que a Ritinha era bem assanhada pro lado dele, mas ele não dava à mínima. Sempre me dizia “Duda hoje você me basta, me completa e me faz feliz”. E eu é claro, ia nas nuvens. J.J. não era nem um pouco machista se comparado com os outros rapazes e as poucas vezes que era reconhecia. Era engraçado, ele odiava atitudes machistas e quando sua auto-vigilância falhava ele começava a xingar a igreja, os valores cristãos, a instituição família. Em relação a isso era um pouco contraditório, ou era eu que não entendia porque tanta fúria. Mais tarde entendi que minha falta de compreensão era o que Marx chamou de “alienação”, mas deixa pra lá, eu respeito e prego certos valores dos tempos da minha mãe ainda hoje. Então hipocrisia a parte.


J.J. não foi covarde, pelo contrário ele foi sincero e honesto comigo e com seus sentimentos. Ele disse “broto, conhecer você foi uma das melhores coisas que já me aconteceu. Nós nos achamos e isso foi especial. Foi rápido eu sei, mas eu sentir que rolou um sentimento não sei se foi amor, mas sei que foi e é verdadeiro. Eu nunca vou te esquecer ‘para sempre’”. Ele não precisou dizer adeus, no fundo sabíamos que era impossível partir de todo. Eu deixei ele falar, a ‘ficha’ demorou para cair. Eu só ouvia, sem mexer um músculo do rosto, quanto mais derramar uma sequer lágrima. Depois revendo a cena perguntei-me como conseguir ser tão fria. Muitos anos passaram e ainda não obtive resposta. Do pouco que ouvi do que ele ainda tinha a dizer, lembro algo como “vou viajar para Guiana Francesa, tenho um tio que mora lá, passarei um tempo pra ver qual é!”. Depois, bem depois, constatei a informação de fato. Finalmente J.J. parou de falar, ficou na minha frente esperando um abraço, quando viu que não tive reação me deu um beijo na face e desapareceu. Depois disso acho que o vi umas três ou quatro vezes não me recordo bem.


Ele sumiu e por horas continuei perplexa, petrificada sentada no banco da Praça 7 de Setembro. Caiu a noite, sentir a umidade do sereno batendo em mim e continuava ali. Sem lágrimas, só um turbilhão de pensamentos. Do jeito que era com o João, sem regras, sem limites, não dava margens para expectativas e até mesmo ‘duração’. Ainda assim, naquele momento, em imediato, eu não esperava. Talvez tivesse imaginado um fim, vários fins. Mas não naquele dia, naquela hora e naquele lugar. Pensei que já era madura o suficiente, mas só naquele instante me dei conta que não. Não existia maturidade para o amor, para amar. Mesmo quando se cuida e não quer sofrer e ver o outro sofrer. Ainda assim, me decepcionei por alimentar esperanças. A esperança da felicidade duradoura, quase plena. Naquela época amar e ser amada era tudo, as demais coisas da vida eram deixadas para segundo plano, pelo menos para nós. Com ele eu aprendi a ser “nós”, vai ver que foi por isso que foi tão difícil voltar a ser “eu”, mesmo um “eu e me” (o que não garante o ‘nós’). Eu me senti um casulo ao longo do mês que passamos juntos, sofrendo mil e uma metamorfoses até atingir o estágio inicial da borboleta que sou hoje. O termino fez parte disso. Me senti dialética agora. O fim foi a negação, a antítese antes da síntese borboletiana. E é sabido que as borboletas vão mais longe, vivem se adaptando ao meio ambiente para preservar a existência. Em relação a isso me tornei uma “borboleta as avessas”, uma borboleta inconformada com o meio que luta pela transformação deste. Então não me basta ser só borboleta e foi ali que me dei conta. O João se foi e eu também poderia ir, e se o amava ainda assim poderia me permitir novos amores, novos horizontes. Sem lágrimas (não muitas!), sem sofrimento (só o suficiente para se perceber na situação e me libertar). Afinal foi com ele que aprendi a “correr menos e a rir mais”! Sem espaço (ou minimizando) para dor e buscando mais e mais o meu bem viver.



Por Duda Duarte.

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