terça-feira, 27 de abril de 2010

Dos Tempos 1.


João Jorge é um caso antigo, foi rápido, passageiro. Desses que nos pegam de surpresa. Nos conhecemos na antiga Estação de Trem, aquela que ficava lá no centro da cidade. Hoje não existe mais, ou melhor, existe a transformaram num museu de antiguidades. Eu estava atrasada, sempre atrasada para variar. Corria em disparada em direção a Plataforma “C” para pegar o trem para Zona Sul. Não sei como, com toda a pressa ouvi uma voz grave que lembrava a do locutor de rádio-novela Aroldo Andrade, por quem todas as moças da minha idade se derramavam de amor. A voz perguntou ao engraxate: - esta é a Plataforma ‘C’? O engraxate respondeu: - ‘C’ de coração, de carinhoso e de timão. O moço não entendeu, nem eu. O moço o interpelou: - como, ‘C’ de timão? E o engraxate disse: - sim, timão! Corintias do meu coração! Eu ouvi o diálogo e me surpreende com a resposta, olhei para trás e os dois estavam rindo. O moço parecia surpreso e encabulado. Deu tempo continuar correndo e pegar o trem. Para minha surpresa o moço perdido na plataforma pegou o mesmo trem que eu e ainda sentou do meu lado. Eu estava agoniada devido ao atraso e pensando em um monte de bobagens. Mas assim que ele sentou do meu lado foi inevitável não rir ao lembrar da resposta do engraxate ‘ “C” de timão’. Também foi inevitável não reparar naquele broto do meu lado. Primeiro porque gostei do cheiro da colônia que ele usava, lembrava capim-cidreira com um toque cítrico de limão. Depois por tudo, ele era um verdadeiro pão: alto, esbelto, cabelo castanho claro, nem moreno, nem pálido, muito menos amarelo desbotado, seu penteado lembrava o de Elvis e a barba feita enaltecia sua pele de bêbe. Estava usando uma calça jeans rasgada, blusa 3/4 xadrez de botão, e é claro não podia faltar a jaqueta de couro preto, que era moda. Seu sorriso não me saia da memória, olhei longe e suspirei profundamente, como se eu não estivesse ali. Não sei se ele percebeu, o mundo parou mesmo foi quando ele me perguntou as horas. Estranho, pois ele portava um lindo relógio de pulso. Mas eu fingi que não vi, tentei ser natural, olhei para o braço e disse com a minha voz mais doce “nove e meia”. Isso, foi só isso! Mas, mesmo muito “the flash” nossos olhares se cruzaram. Eu gelei, meu coração foi a mil. - Mel, os olhos dele são arredondados e mel. Blueblue...ai como ele se parece com o Erasmo Carlos! Depois que ele ouviu o horário exclamou “droga, tô atrasado”. Eu disse “eu também”. Ele se voltou para mim e disparou aquele sorriso de Apolo “hum que feliz coincidência”. Muda, paralisada, fiquei. Eu queria falar algo, mas o nervoso não me permitia. Então, ele não mais esperou por resposta e continuou “eu vou descer no Monumento e você?”. Gaguejei, “ê, eu, eu vou descer um ponto depois, na Viana Corrêa”. Se fez um silêncio e ele disse “ah, tem uma sorveteria famosa por ali né?”. “éh” foi o que eu disse bastante descabriada. Ele continuou “esta um calor, a cidade esta cada dia mais vertical, quente, sufocante. Quer tomar um sorvete comigo?”. Antes que eu respondesse ele se antecipou “não vou tomar muito o seu tempo, nos refrescamos e voltamos a rotina, também não posso demorar!”(mera estratégia de convencimento). Olhei para o relógio já eram 9:45 e eu tinha uma entrevista as 10:00 horas. A sorveteria ficava próxima ao Centro Empresarial, mas em 15 minutos mal dava para eu chegar lá. Tomar um sorvete com o lindo e charmoso desconhecido, ou ir à entrevista de emprego? Óh céus que mundo cruel, pensei comigo. Ele pode ser o amor da minha vida, ele pode ser só mais um ‘cafa’ também. E o emprego?! Secretária de um escritório de arquitetura. Me agrada, só a parte artística. Aiaiai. Ele interrompeu meus pensamentos “e então, vamos tomar o sorvete!”. Mordi o meu lábio inferior, apertei as mãos uma na outra, olhei para o teto do trem, respirei e num rompante respondi “tá bom, vamos tomar um sorvete”. Foi maravilhoso, não tomamos apenas um sorvete, a conversa estava tão boa que tomamos três. O tempo passava e entre risos nem nos dávamos conta. Ali, fiquei conhecendo o João o encantador João Jorge. Seu papo era envolvente e tínhamos vários gostos em comum: rock’n roll, lambreta, cinema, independência, sorvete! Uma empatia só. Perdi a entrevista de emprego e ganhei um broto. Um mês de amor e de luar. Rápido e intenso. Terminamos mas não tem como esquecê-lo, o tenho gravado em mim. Minha primeira tatuagem um coração com as iniciais ‘JJ’ dentro. Ai João Jorge você bem que podia ter deixado uma marca menos ‘brega e cafona’ em mim. Quem faz isso nos tempos de hoje? No meu tempo também era moda, era uma prova de amor. Não me arrependo o encontro com o João me fez crer que era possível correr menos e rir mais. Me desliguei da ‘rotina’ e do ‘moral e politicamente correto’. Me senti livre, amante e amada. Descompliquei a vida naquele encontro singular!

Por Duda Duarte.

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