domingo, 19 de dezembro de 2010

Vinil...



Ele se aproximou da lixeira e começou a jogar os discos de vinil. Foi se desfazendo de um por um sem se importar. Parecia um ato mecânico sem resquícios de sentimentos por tais objetos. O que o levou a fazer isso, não sei. Seu rosto estava pálido, suas mãos pareciam tremulas. Os discos se desprendiam da sua mão, mas não com tanta facilidade. Eram gestos sem vida. Será que dera para sonâmbulo agora, também não sei, mas lembrava um zumbi.

Há muito seu comportamento mudou, ele deixou de falar rindo: seu olhar antes brilhante, agora vivia perdido na linha do horizonte, de uma opacidade sem fim. Seu corpo definhava sobre a terra, tudo que comia jogava fora minutos depois. Não sabia por que, mas a comida perdera o gosto. E passou a tomar água só quando a sua língua já estava a colar-se na superfície do céu da boca. Parecia está um morto vivo.

Os próximos não o entendiam, questionavam, mas ele não tinha resposta: um silêncio lhe invadiu como se comportasse as dores do mundo. Mas, a sua dor, está que ninguém via, parecia tão sua, e só sua, que o mundo se tornara pequeno perante a sua imensidão.

Que estado de alma era a sua, de inquieto a vagante, de iluminado a obscuro. Ele se perdeu no labirinto dos sonhos. E as escolhas o deixaram mais e mais distante dos planos. Chocou-se ao deparar-se com a vida lá fora. E sabia que não podia voltar. E sabia que viver não cabe retroceder. Ele seguia e aquele povo lá parado continuava lá: distante, longe como miragem. Isso o machuca. Sua mão não os alcança e eles são tragados pela areia movediça dos próprios destinos. Estão todos mortos. E ele vivo. Ainda vivo, mas cheio de peso e dor.

Ele se culpa, se tortura e se julga. Disse que não iria morrer, que iria voar, que recobraria o ar e os ressuscitaria. Mas fugiu, teve medo, foi para bem longe. Se fechou e passou a agir como se não existissem. Mesmo em forma de carne putrefata existem. Existem antes, existem nele. E não é só lembrança.

Ele se nega a salvá-los, ele não pode. Ele tem medo de se autodestruir: é como uma praga que se pega quando entramos em contato, tudo destrói por dentro. Ele que ir para mais longe.

No fundo, sabe que não pode ser tão cruel, frio. E sua apatia reflete a sua impotência. Ele também morre. Dentro em breve morrerá. Por isso fez questão de se desfazer dos discos de vinil. Não quer mais se lembrar do que podia ser. Sem música e sem esperança. Só o fim.

La Baca