quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Parafraseando a parafrase alheia...

             Numa das obras poéticas mais importantes da cultura do Ocidente europeu, as Metamorfoses, o poeta romano Ovídio exprimiu todos esses sentimentos que experimentamos diante da mudança, da renovação e da repetição, do nascimento e da morte das coisas e dos seres humanos. Na parte final de sua obra, lemos:

Não há coisa alguma que persista em todo o Universo. Tudo flui, e tudo só apresenta uma imagem passageira. O próprio tempo passa com um movimento contínuo, como um rio... O que foi antes já não é, o que não tinha sido é, e todo instante é uma coisa nova. Vês a noite, próxima do fim, caminhar para o dia, e à claridade do dia suceder a escuridão da noite... Não vês as estações do ano se sucederem, imitando as idades de nossa vida? Com efeito, a primavera, quando surge, é semelhante à criança nova... A planta nova, pouco vigorosa, rebenta em brotos e enche de esperança o agricultor. Tudo floresce. O fértil campo resplandece com o colorido das flores, mas ainda falta vigor às folhas. Entra, então, a quadra mais forte e vigorosa, o verão: é a robusta mocidade, fecunda e ardente. Chega, por sua vez, o outono: passou o fervor da mocidade, é a quadra da maturidade, o meio-termo entre o jovem e o velho; as têmporas embranquecem. Vem, depois, o tristonho inverno: é o velho trôpego, cujos cabelos ou caíram como as folhas das árvores, ou, os que restaram, estão brancos como a neve dos caminhos. Também nossos corpos mudam sempre e sem descanso... E também a Natureza não descansa e, renovadora, encontra outras formas nas formas das coisas. Nada morre no vasto mundo, mas tudo assume aspectos novos e variados... Todos os seres têm sua origem noutros seres. Existe uma ave a que os fenícios dão o nome de fênix. Não se alimenta de grãos ou ervas, mas das lágrimas do incenso e do suco da amônia. Quando completa cinco séculos de vida, constrói um ninho no alto de uma grande palmeira, feito de folhas de canela, do aromático nardo e da mirra avermelhada. Ali se acomoda e termina a vida entre perfumes. De suas cinzas, renasce uma pequena fênix, que viverá outros cinco séculos... Assim também é a Natureza e tudo o que nela existe e persiste.


       {CHAUÌ, Marilena. Convite à Filosofia. São Paulo: Edição Ática, 2000. p. 26-27.}

domingo, 1 de agosto de 2010

Museu Rodin...



Há alguns meses a cidade foi agraciada com a exposição de obras originais de Rodin, no museu que leva seu nome situado na Graça, Salvador, Bahia. E, ao longo desse período, estou a ouvir “os burburins rodianianos!”. Óbvio, que eu queria ter ido à noite de inauguração. Mas a efervescência das gentes me assusta, seus olhares. Então contive toda expectativa. Não, naturalmente. Porque a rotina me desviou bastante de toda contemplação. Ainda bem que o caro A. Trudesk compreendeu. E desculpe, mas aconteceu. Eu fui só. E sem premeditação. Simplesmente olhei para frente. E o Museu Rodin, estava justo na minha frente. Mesmo acanhada e de chinelas, adentrei. Ufa...eu estava lá “Tetê à Tetê” com as obras de Rodin. Finalmente.

Ai, foi estranho. Primeiro me sentir “um peixe fora d’água”. Então me dispus a ambientar-me. Comecei por ler o Prefácio...

“...Ausência de partes, fragmentos de esculturas através dos quais se poderia ter a emoção, a explosão de uma idéia ou o silêncio oriundo de uma ação reflexiva...Para Rodin a obra acabada é aquela que mostra o homem em sua complexidade...”

Fui olhando os traços, e as formas dadas ao gesso. Na sua maioria “corpos humanos”, fragmentos. Copos musculosos (físico greco-romano), cabeças de mulheres, corpos se alongando, corpos se tocando, grandes, médios, pequeninos.

Uns foram feitos com base na técnica de Assemblage, i.e. reunião de figuras (fragmentos) criando a composição de grupos (corpos, ou as partes deles).

Usar a Assemblage foi à marca artística de Rodin, que rompeu com a “perfeição” das esculturas clássicas. Seus fragmentos foram logo taxados de inacabados!

O que logo chamou minha atenção foi a sua data de nascimento 1840, assim como Monet. E também as críticas, na mesma medida, que ambos sofreram ao romper com o caráter apolíneo da criação artística predominante no período.

Depois, o movimento. Os olhos são estáticos frente à mobilidade das obras de Rodin. A impressão que eu sentir era que a qualquer momento aquelas pernas sairiam correndo atrás de mim. Ou que a moça do Le Sommeil (O sono) estava a me cortejar com aquele sorriso tão lindo e sublime. E La Porte de L’enfer, seus personagens, estavam a me chamar para participar da orgia.

Dizia Rodin em suas meditações:


“Não invento nada eu redescubro”...

- Imagina só, se ele inventasse!

Suas obras mais famosas, como O Beijo e O Pensador...também despertaram atenção. Mas, confesso, que a história por trás delas, foi o que mais gostei. A conclusão que cheguei é que Rodin era fascinado por Dante Alighieri, autor da obra Divina Comédia. Eis a fonte de inspiração de suas esculturas. Foi uma surpresa saber que O Pensador (1880), foi uma homenagem a Dante Alighieri, e que seu nome de origem era O Poeta.

Fiquei igualmente encantada ao saber de alguns de seus imortais pensamentos:

“Se a religião não existisse, eu teria a necessidade de inventá-la. Os verdadeiros artistas são em suma, os mais religiosos dos mortais.”

“Tudo é belo para o artista, porque todo ser é em cada coisa, seu penetrante olhar descobre o caráter, ou seja, a verdade interior que transparece sob a forma”.


E por fim, ver a exposição de Mucha Rodin, me fez enxergar uma arte “sexual/sensual”. É, na noite anterior, um amigo me disse: “Para mim arte é sexo!”. E eu brinquei: “Na arte que quero ver, não tem sexo. E se existir, será o dos anjos.”. É, como já ouvir falar, amigo “Tu és um Guru”. E eu era tão ingênua em relação às artes e ao sexo dos anjos!