terça-feira, 2 de março de 2010

Dos Tempos...

Só no aniversário de 80 anos foi que ele se deu conta. Definitivamente se deu conta. Mas a muito que não sentia mais pressa. Para quê? Quando jovem fora ansioso e onde chegará assim? Seu coração apertou tanto que foi parar na mesa de cirurgia cardíaca. Seu presente de 55 anos foram duas pontes de safena. A ansiedade da juventude, a pressa para vencer na vida, prover a família, dar o melhor para esposa e filhos. De que serviu tanta preocupação? Todos cresceram, todos formaram, todos construíram família. E sua mulher se dedica aos netos e aos almoços de domingos ensolarados. Porque nos dias de chuva ninguém arreda o pé de casa. Então a vida se resumiu a isso? E para quê? Sim, não fora tudo sacrifício. Sempre gostei de acordar cedo e pagar as contas em dias. Eles cresceram sem dar muito trabalho, nisso Maria sempre foi um esmero. Eles se foram. No início tive ciúmes, mas entendi. Para mim foi mais fácil que para ela. O desapego só vem com o tempo, com o tempo e com a confiança. Eu confio neles e eles nos admiram por isso. Então eu tive tudo. Missão cumprida. Seria fácil se fosse assim. Marcinho, o mais velho, outro dia veio me queixar da Bia que esta mocinha e pretende viajar com o namorado no feriadão. Ele me perguntou o que fazer?! Eu ri, e disse: meu caro os tempos são outros, abra a mente antes de sofrer. Com a sua irmã Joana, não lembra, foi um Deus nos acudas. Mas aí de mim que sempre fui um homem à frente do meu tempo. E ainda tive que aguentar os desmaios de sua mãe e todo aquele 'blá,blá,blá' de pecado. Eu pensei, cá com meus botões, vá à merda a falação se ela a ama que seja. Eu também a amo. E olha que para o tempo isso deu muito pano para manga. Mas se alguém não tomar a iniciativa tudo continua como estar.Larga a mão de ser turrão, você de bico aqui e minha neta de bico acolá. Deixa estar, só avisa para não esquecer de usar camisinha. E deixa estar. Rir comigo mesmo sentado na poltrona do vovô, só observando a movimentação. Mas depois veio aquela angústia. Ah, ter que esperar pelos designos do tempo é um horror. Eu também queria viajar. Quem sabe partir de vez. Para o além mundo. Quem sabe Maria vem comigo. Para que ela ficaria aqui, essa vida já é sem sal, imagina só sem mim. Ela morreria. Ai droga. Parece que eu não aprendi. Já tenho mais de 80 e continuo assim, roendo unha, ansioso de dar gastura. Ai existência, só me resta esperar. Mas foda mesmo é que agora me sinto o retrato daquela música de Raul Seixas "Sentado numa poltrona com a boca escancarada cheia de dentes esperando a morte chegar". Exceto pelos dentes, há muito que joguei a chapa fora. Risos.

Por João Jorge.